1. |
Lisboa feat. Sreya
04:09
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A pobreza humilha
E vende-se barato
Pega na honra
Mete-a no saco
O meu bairro
Está descaracterizado
Tem lojas gourmet
Por todo o lado
Taquicardia da empresa
Uma colher de sopa
À sobremesa
Oresteia descontextualizada
Sobram as moscas
Ou não sobra nada
Projectos autónomos
De tirania
Soberba sorte
De Nascer o dia
Publicidade no estendal
As rédeas do capital
É caridade
Empreendimento
Sobram os trocos
Para o sustento
Vives a meias
Com a pressão
O senhorio é um cabrão
Se perco tudo no
euromilhões
Terça e sexta sem excepções
Voto no gajo
Que fala a verdade
Sou contribuinte
Desde tenra idade
Idiossincrasia generalizada
Esta cidade foi tomada
Vende o terço e o retrato
Ali ao lado do colonato
Os anos passam
E não passa nada
Deixam-te as pedras da calçada
Fecha a porta
E deita fora a chave
O último que apague a luz
Pague as contas
E a saudade
E usufrua
Desta cidade
Capital
Lisboa
Manda abaixo e faz de novo
Como o Marquês de Pombal
Como o Marquês de Pombal
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2. |
Extraordinários
03:36
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Somos extra ordinários
Enormes esse cê gigantes
Singulares desnorteados
Quando toca a emoção
Emotivos somos extra
Emotivos ordinários
Reluzentes, somos tudo
Gambuzinos nocturnos
Caçadores e caçados
Tudo.
Conforme a oportunidade
O tópico
A eleição
O ódio de estimação
Somos excepcionais
Provas cabais da peneira
Evolucionária
Germe gente
E pessoas de bem
Conforme o dia
A disposição
E o alarve no palanque
Somos inertes
Penedos extraordinários
Calhaus sem pinga de empatia
E eternos comovidos com o
Fado marialva,
Fado alexandrino,
Fado corridinho, fado calado
Que se vai cantar o fado
Misericordiosos castradores
Santíssimas matronas
Conforme sopra o vento
Somos tão exclusivos
Temos palavras únicas
Um panteão repleto
De cadáveres
Excelentíssimos
Uma toponímia invejável
Repleta de heróis
Almirantes bispos engenheiros
Exmos. corsários e ilustres
Carniceiros
Gente grande
Uns com estátuas outros sem
E dois poços aqui ao pé
Para enterrar os gentios
Somos extra ordinários
Adoramos a prioridade
As filas
O faça favor
Exceptuando aos dos bairros
Nunca perdoamos a edificação
Lata é lata
E a lata
Varre-se.
No entanto
Invejamos a pobreza
O rendimento mínimo
Os bifes à mesa
Fome é fome
Trata-se com cabazes
Somos tão extraordinários
Que agonia
Bílis nos cantos da boca
Engolido num trago
E siga
Somos intra ordinários
Tudo a gamar mas todos polidos Incorruptíveis
Que gostam de gente íntegra
Que abre portas
Facilitadores supremos
E incautos que não dão pelo frete.
Ó Mar salgado,
Lágrimas e tripas cagadas
Mitos fundadores e castelos em barda
Colonos humanistas
Esclavagistas decentes
Gente de bem
Esta ordinária
Gente.
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3. |
Ninguém saía
03:32
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E ninguém saía
E se ninguém fosse trabalhar
Fizessem um manguito
Puxavam as mantas
E ficavam
Lentamente a ruminar
Ou a foder
Serenamente nas camas
Sem pagar
Saíam à rua para roubar
Faziam
Puxadas
Pirateadas
No jeito de desenrascar
Pediam ajuda
Uns aos outros
Espantavam a polícia
Paralelo a paralelo
A voar
Plantavam tomates
Coziam pão
Liam um livro
E não iam trabalhar
Nem estudar
Estavam
Só isso.
Belos desgrenhados seriam
Desenhavam nas fachadas
Impropérios delirantes
Mandavam-os cagar
Fossem ver se chovia
Se a fila estava longa
Se a quarentena já passou
Se podem soltar o avô
E começar a pagar
A linha de crédito bonificado
Já se habituaram ao silêncio
à palmadinha nas costas
E lavavam as mãos quando queriam
Com a água da chuva
Quando chovia
À noite cantavam coisas
Que todos ouviam
Umas bonitas
Outras feias
Iam de pijama à porta
E diziam:
"Ainda não
Deixa-os penar
Mundo fodido
Quando não tens a quem explorar "
E ninguém saía
Quase ninguém
Ninguém
Ninguém saía
Quase ninguém
Fecharam as fábricas e fecharam tudo
Mas ninguém saía
Ninguém saía de casa
E um gajo vivia uma normalidade inconstante
E um gajo tentou saltar da janela
Porque ninguém saía
Ninguém podia,
Nem sair
Nem pensar,
E ficava tudo normal
Normal
“Vai ficar tudo bem”
Tá-se bem
Quase ninguém
Quase ninguém saía
Ninguém saía
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4. |
ORNE
04:06
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Estar em tal pressa
Embuçar o rosto
Abismar os dias
No cálculo das horas
O temor emparedado
A casa feita
Como um órgão falido
Com manchas profundas
Que a faca não alcança
Vulgaridades...
São pequenos nichos
Fora da esfera de convivência
De sua excelência
Certamente
A falha cresce
Como um ponto no dente
Que se sente com agonia
Como se um sádico caprichasse
Na tua boca
Não passa nada
Luso tropicalismo pioneiro
Joelho sobre a cabeça
Bastão no lombo
“Não se fica cruel por se ser carrasco,
vai-se para carrasco por se ser cruel”
De onde veio isto tudo?
Sou capaz de ter uma ideia
Uma impressão
Como o tacão da bota
Calcado
Nas costas do puto
Que atirou a primeira pedra
Começamos assim
Numa dormência vespertina
E dia após dia
Vemos os exemplos
Desse idílico país
Cheio de bondade
Fado-funaná
Padres com grinaldas
De querubins imberbes
E indiozinhos nutridos
Com papeira civilizacional
Diria que é desse nojo
Que nasce o tormento
E do tormento que se fazem
As tradições
As pegas e os andores
E o implícito racismo
Que não existe
E nunca existiu
Até te encostarem o joelho à boca.
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5. |
Morais Soares
09:57
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Morais Soares,
é uma artéria da cidade
cheia de glóbulos
brancos,
vermelhos,
verdes,
ali, na continuação
da Praça do Chile
ao Alto de São João,
é uma artéria coagulada
da cidade
a constatação da iminência
da necessidade
de habitar
há casas grandes
há casas pequenas
e pensões
com motivos alegóricos
ultramarinos
cheias de gente que cai
na Morais Soares
tudo se vende
tudo se compra
naquela porta
porta sim
porta não
em direcção
à parada do Alto de São João
na Morais Soares
em cada esquina um amigo
em cada rosto ansiedade
na Morais Soares
no passo apressado
dos casais de toxicómanos
a descer
a Morais Soares
ao saco de legumes
do Pali Baba
a descer a Morais Soares
é uma artéria
ai se eles deitassem a mão
a esta artéria
em processo de disneyficação
na Morais Soares
é uma rua que não tem sombras
é uma rua que não tem árvores
com quatro sentidos,
dois para cada lado
mas só um a funcionar,
e quando olhas do largo de leão
para esta grande serpente solar
num dia de verão e pensas:
estou quase a chegar
estou quase em casa
na Morais Soares
se estas pedras falassem
não havia o que não contassem
a troco de o que se possa vender
na Morais Soares
ali
na continuação da Praça do Chile
ao Alto de São João
a necessidade de habitar
o espaço
a cidade
a vida
um bairro
as grandes alamedas cheias de gente
onde os funerais de estado não passam
e em que cada partido tenta ir buscar
o voto popular,
na Morais Soares
e nunca dorme
e nunca dorme
e nunca dorme
a artéria da cidade
é um coágulo da cidade
idealizada
um estado pré qualquer coisa
Morais Soares
em processo de
construção
em processo de
construção.
de desabitar
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Llama Virgem Lisbon, Portugal
Próximos gigs:
Um dia destes
..../\_ ./\
..( .o o. )
== _Y_==
...... V.......miau
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