1. |
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Uma terra de oportunidades
com casas e espaços vazios
prontos a ser ocupados
muito sol o ano inteiro
com rendas baixinhas
uma fantástica night life
um país que podes chamar teu
uma dinâmica a ser criada
por ti ó arauto da esperança
uma start-up em cada esquina
um deserto irrigado
para voçês queridos empreendedores
uma vista inspiradora
uma cidade sem barreiras
sem habitantes
sem crianças
a bomba de neutrões tratou deles
é um investimento seguro
um cálice de vinho
um acepipe ao sunset
já reparaste naqueles que se acotevelam cedinho no metro
não ligues a esses fantasmas do passado
a cidade é tua
investe possui e prova
os sabores e os cheiros a nada
esta cidade sabe a nada
porque nao nos mudamos para cá?
cheap rents and sunny weather
a glass of wine in a rooftop in Alfama
it was an old school you know?
explicou o rapaz do tuk tuk
bora fazer um think tank
sobre esta miséria
fazemos um documentário
vendemos o turismo sustentável
sustentado na economia justa
tipo café do Suriname apanhado por autóctones felizes
uma foto do Sr. Manel da loja na porta do alojamento local
umas frases traduzidas do Homem Cristo Filho
na parede da Mouraria
ah esse gajo era facho?
e que tal um roteiro da lisboa colonial?
a começar em Belém e a acabar na Cova da Moura
ai que o empreendedorismo dá-me tusa
não foi por vontade nem por gosto
que aluguei a minha casinha
a crise a isto obriga
tenho 6 apartamentos e cuido de outros 6 que são do francês
sou uma vítima
uma vítima
"Venha a miséria maior de todas
Limpar o último restolho de moral que em mim resta
e serei rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras" (Da Fonseca, 1940)
Uma cidade de oportunidades
sem muros
sem gente
povoada de investidores
de jovens CEOs
a investir em si mesmos
dentro de si mesmos
a verem uns gajos sem vontade própria
a arrastarem-se pelas calçadas
e a pensar no cartaz à entrada do aeroporto de Lisboa
Portugrall
Portugrall
Oh happy day
Oh happy day
A crise aprimorou
toda uma amálgama de homens-estátua,
garçons, condutores, recreacionistas históricos,
guias, vendedores de roteiros e experiências típicas,
pastéis de bacalhau, limonadas, cortiças,
azulejos e afins,
a crise tornou-nos dóceis,
e ao mesmo tempo profissionalizou
a capacidade inata de dizer
Money Money Filho da puta
dos miúdos que saltam para o mar
em Rabo de Peixe ou nas margens do Douro,
um exército de catadores de moedas,
ou pequenas notas,
a troco de um sorriso,
uma história típica do terramoto,
ou uma queca ao fim da noite,
após o roteiro pelos bares que dão avenças,
aos tuktukers para despejarem hen-parties
nos seus balcões
Oh happy day
Oh happy day
DA FONSECA, Manuel
(1940) "Domingo" in Rosa dos Ventos,
edição de autor, 1940 - adaptação
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2. |
Neuropa
04:28
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Pacto de regime
estado da união
inclusiva
humanista
o esforço das décadas
a paz podre
forjada na assinatura
cooperante
dos produtores
executivos
da nação
transfronteiriça
insubmissa
inimputável
imensa e ditosa
endlos Endlos
ó Europa sempre unida
na mesa do comissário
uma guilhotina miniatura
corta os cotos
conta os votos
refaz a votação
mordes a mão do dono
visitas os teus impostos
numa praia impoluta
do sul
o sul
parricída
corrupto
abominávelmente
lento
céptico
da boa vontade da União
que da cidade estado
vem o graveto
e o concreto
o humanismo
oposto à barbárie
da autodeterminação
da produção
pela produção
do esforço
do reforço
das incontornáveis
ideologias
soberbas definições
e sindicatos
e grupos organizados de gente
e ruas recheadas de gente
e urnas desfeitas à bastonada
vontades imagina
vontades
e a luminosa
esclarece os incautos
do garrote plantado
ao pescoço
faz muitos anos
num claustro pomposo
és europroprietário
europrocriador
euroentretido
eurostémico
caso contrário
canastrão
não passas de um secessionista
arrivista
protofascista
ou pior
bem pior
tipo Le Pen
tipo Orban
os meninos da liga
os da cruz gamada
da bandeira flamejante
rasante
da bota cardada
mas esses são porreiros
controlados
concordantes
Auroras douradas
revoluções em Maidan
armadas até aos dentes
com os cocktails
a voar em pano de fundo
enquanto um deputado
fala na esperança
e na bem aventurança
da União
dos direitos humanos
das indústrias criativas
voltinhas de comboio
Erasmus Erasmus
The Champions!
dahmmm esta união é do crl
pena a iniquidade do trabalho
e a imposição política
e a intolerância da crítica
e o garrote apertado
o Durão no cargo
e as horas de trabalho
as 40 horas de trabalho
e as 30 horas de trabalho dos outros
o rendimento mensal
alternado
a média feita
ganha-se bem na Europa
na outra Europa
eu sonho em Vueling Easy Jet
out of here
para ficar manso
e cordialmente
aceso
como uma velinha pelos barcos do Mediterrâneo
as lições de Atenas
que os outros ensinaram
com um sem fundo de paternalismo
sorriso rasgado
cátedra emparelhada nas escadas
a falta de gratidão
dos insubmissos
Syrizas
e os cartéis de desgostosos
por perder os direitos
a ver a mamã a tecer a urdidura
dependurada no BCE
taxas impostas
Brexers brexitologias
ataques racistas
tás-me a roubar o trabalho
Qual trabalho?
Seu alucinado do caralho?
Porra
O que que eu estou aqui a dizer
ver se não digo isto em público
que fica mal
e é indecente
todos juntos
mais fortes
Europeus até ao pescoço
sufragados até aceitar
a glória da União
sem questionar
o teu lugar na máquina
e porque é que te querem aqui
a servir
e a carpir fados
num sonho de pladur
Eurodisney
Biddonville
campismo perto do canal da mancha
até chegarem os Robocops
com a bandeira azul estrelada
e se repitam as votações
Até o resultado ser coerente
E suficiente
Até o resultado ser coerente
E suficiente
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3. |
A casa está a arder
04:26
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Contaram-se as vítimas,
a casa está a arder,
decretou-se o luto,
a casa está a arder,
incendiou-se um directo,
a casa está a arder,
faltaram os meios,
a casa está a arder,
diz o relatório,
que a casa está a arder,
por causa de um raio,
a casa está a arder,
aos vizinhos pirómanos,
a casa está a arder,
apontaram-se os dedos,
a casa está a arder
Cabeça da ministra,
a casa está arder,
tanto chamaste o diabo,
que a casa está arder,
as cabeças de gado,
também estão a arder,
meu rico minifúndio,
também está a arder,
a ajuda externa,
a casa está a arder,
a seca é extrema,
a casa está a arder,
estamos cercados,
a casa está a arder,
visto do espaço,
a casa está a arder,
abateu-se um deserto,
a casa está a arder,
de eucaliptos e concreto,
a casa está a arder.
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4. |
Flaneur
06:33
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Deitados na areia,
louvávamos a persistência do cacto,
o imenso tapete de suculentas,
que cobre as dunas em direcção ao estacionamento,
as estratégias filogenéticas das plantas.
Querido Flaneur,
choro pelo desgosto que te atormenta,
a angústia da criação,
o teu esforço sobre-humano para superar o tempo,
o confronto dramático com a sala branca,
Vai, e cria as coisas mais belas,
e não pares.
Com os lábios escancarados como bacalhaus a secar ao sol,
as palavras surgiam com um pronúncio de incerteza,
demoradas, como se um motor morasse entre os seus dentes,
assim, numa lenta efervescência,
as sílabas iam aparecendo,
como se um gêiser as expelisse,
do alto da cadeira do IKEA,
o da camisa havaiana,
rebolava os olhos enquanto tecia considerações
sobre a exposição que acabara de ver,
à sua volta, numa rodinha de cadeiras,
as outras figuras abanavam a folha de sala,
para enganar o calor,
dizia ele, com um sotaque mais cockney do que os cockneys
You know? I was entering the venue
and I was completely overwhelmed by the work of the artist,
You know? especialy considering is past life in Zimbabwe.
Cretino,
tinha acabado de te ouvir lá fora enquanto emborcavas um copo de Gin
É tão mau, meu Deus é tão mau!
Deitados na areia,
louvávamos a persistência do cacto,
o imenso tapete de suculentas,
que cobre as dunas em direcção ao estacionamento,
as estratégias filogenéticas das plantas,
a bandeira azul a esvoaçar ao vento.
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5. |
Beto
05:51
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Ah és tão linda,
és tão hermosa,
tens a pele tão sedosa,
passeias o cão,
passeias o animal de estimação.
Beto, és o meu beto predilecto,
Beto, não passas de um analfabeto.
Vais a um curso de mindfulness,
vais ao mercado de manhã,
fazes running pela cidade,
és o campeão de padel,
do bairro de Alvalade.
Beto, és o meu beto predilecto,
Beto, não passas de um analfabeto.
A tua avó era francesa,
fundaste a Padaria Portuguesa,
gostas de explorar,
ver as acções da bolsa,
enquanto te estás a masturbar.
Beto, és o meu beto predilecto,
Beto, não passas de um analfabeto.
Gente feliz com lágrimas,
dos fracos não reza a história,
gente feliz a chorar,
com saudades do ultramar.
“[...]Já fui ao Brasil,
Praia e Bissau,
Angola e Moçambique,
Goa e Macau,
Já fui até Timor,
Sou um conquistador,
sou um conquistador.[...]” (Neves, 1989)
Apanhei uma overdose de vitamina,
saltei da prancha bati com os cornos na piscina
o casaco da avó cheira a naftalina
São as circunstâncias da nossa vidinha.
Beto.
NEVES, Pedro Luís
(1989) "Conquistador" in Da Vinci - Conquistador, cassete
audio, stereo, Discossete, Lisboa, 1989.
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6. |
Descoloniza-me
03:58
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Descoloniza o meu pensamento,
descoloniza a minha vontade,
descoloniza o meu país,
liberta a minha cidade.
Sou descendente dos Gamas,
tenho as naus dentro de mim,
o meu porão vem carregado,
de escravos e de marfim.
Toma a minha chibata,
sou um tirano em potência,
quando um colono é colonizado,
não se dá pela diferença.
Descoloniza o meu passado,
expulsa o demónio branco,
descalça estas minhas botas,
o cheiro a pólvora e a ranço.
O meu sangue é ocioso,
é um fluído dormente,
tenho um cordão atado,
um tijolo no meu ventre.
Descoloniza-me,
Des co lo ni za-me.
(Respiração ofegante)
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7. |
Antropoceno
05:23
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Eu, sou o Homem do Antropoceno
esta é a primeira melodia do Antropoceno,
uma quiche de vegetais no Antropoceno,
o antifúngico do Antropoceno.
Sou o Taxista do Antropoceno,
o contador do gás do Antropoceno,
uma piña colada no Antropoceno,
este é um texto com a palavra Antropoceno.
Sou o antropo do Antropoceno,
este é o cenário do Antropoceno,
gosto de provar o meu próprio veneno,
sou o Homem do Antropoceno.
É o lixo espacial do Antropoceno,
os glaciares a derreter no Antropoceno,
os eucaliptos a arder no Antropoceno,
é uma extinção em massa no Antropoceno.
(Grunhidos)
-Gargalhada maléfica
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8. |
Kunstkritik
04:26
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Não estou bem a ver o que é que o gajo quer dizer com isto mas pá, tenho de entregar a cena até quarta-feira percebes? Precisava de falar com alguém que tivesse o mínimo conhecimento da cena toda artística portuguesa que está a acontecer agora que eu agora estou pouco ligado a essas cenas deixei de me dar com essa malta...por causa da cena da Sofia, a miúda era um bocado estranha. Pá, mas a verdade é que...Eu vou-te ler o texto e depois tu dizes o que é que achas "Desterritorialização, na época da desmistificação do Pós-colonialismo." o que é que achas disto? Não te diz nada? Tu és mais da outra coisa né? pós-geracional O quê? Ele disse o quê? disse nada, estás a gozar! A forma arquitectural é horrível destrutiva, completamente fora - Desculpe, mais um café. Obrigado. Pá, e depois o gajo olhou para mim de uma maneira Eu tava a olhar para a cena tipo, ele está a ver perfeitamente que eu estava a olhar para... tava lá o nome dele percebes? eu sabia que a obra era dele não tenho responsabilidades sobre esses assuntos quer dizer, um gajo sabe lá!
é tipo o Urinol, essa merda! Pera aí! Pera aí! Pera aí!
Pera aí! GOLO! Espectacular, 3 a 1 3 a 1, crl! Já ganhámos! pá, mas a cena efectivamente é... um gajo tem de olhar para... por exemplo, quem é que vai para Veneza este ano? o gajo do grafiti? é possível pera aí, dá lugar está vago, senta-te como é que te chamas? Erasmus? Queres um café? Pá, um espaço agora que abriu no Beato que é do caraças aquilo era uma antiga galeria aliás, aquilo era uma antiga empresa qualquer... de vinhos... prontos, aquilo agora é uma galeria um espaço do caraças, dá para ver um sunset aquilo é fenomenal é impressionante, sinto-me dester..desterritorializado lá dentro assexuado também... É como se todas as vicissitudes da minha permanência enquanto ser humano desaparecessem, percebes? Pá, é como se um gajo sentisse uma certa latência por ser o que é. Também gostei muito dessa obra é espectacular. Ah, não era uma obra? não era aquela coisa, com uma sinalética... com um extintor? não. Era o banco também não era o banco. Era a cena que dizia, "Saída por aqui"? não, também não. Ah! A galeria era do outro lado! Podia ser crítica institucional... Olha, acabou, acabou! acabou o jogo, fixe! fixe, tá no papo. Tá no papo!
- Repete Kunst Kritik em 2ª voz pela música fora -
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9. |
Deserto
10:22
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Ultra cinismo,
o que é não é,
o que é dito é o não dito,
é presente como um extrator de fumos.
Afronta-me o sorriso rasgado do impostor,
que fala na tv.
coloca a resplandecente dúvida da veracidade
trata os bois pelos nomes
Boi.
Se a escravidão é liberdade,
e o milagre confronta a revolução,
e o teu apreço pelo ditador é cândido
como um círio por arder,
arredonda os números,
sujeita-te ao crivo da vox popular,
clickbait, pós alter qualquer coisa,
num acumular de frases em novilíngua,
auto proclamado estado do mundo,
presidente eleito psicopata.
tricas puto tricas,
e ainda papas disto,
trocas a luta de classes a greve e os boicotes,
por lutas de gangues programadas e trajadas a rigor.
Eleva-me ao monte mais alto,
eleva-me ao monte mais alto,
eleva-me ao monte mais alto
e descola-me
Eleva-me ao monte mais alto,
e descola-me deste mundo,
eleva-me ao monte mais alto
antes que eu caia no fundo.
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10. |
Barulhinho Analógico
04:16
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A minha música,
está cheia de barulhinhos,
colocados propositadamente,
para ter um som mais analógico.
cu cu cu
ana ló gico
gosto tanto deste barulhinho,
analógico.
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11. |
Língua Morta
03:06
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Olho louco e distante coberto de pele,
osso longo lambido de carne,
manhã triste, triunfante.
Língua morta, língua morta afirmativa.
Enquanto os olhos não se destapam,
passo descoordenado,
peso sobre os ombros e as palavras.
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Llama Virgem Lisbon, Portugal
Próximos gigs:
Um dia destes
..../\_ ./\
..( .o o. )
== _Y_==
...... V.......miau
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